terça-feira, 21 de maio de 2013

Fotografia: arte e mercado em expansão

"Back" (1994) de Miguel Rio Branco

Prá variar um pouco, aqui estou eu às voltas com meus recortes de jornais, anotações em papel, revistas velhas... fazendo uma espécie de triagem do que é que vem para o blog e o que é que vai para o lixo.

Este texto de Rubens Fernandes Junior é antigo, mas infelizmente não posso precisar a data. Saiu publicado num jornal sobre a SP-Arte e, como tudo o que ele escreve, impossível simplesmente amassar e jogar e esquecer.

Uma busca no Google não apontou para nenhum documento, então lá vou eu copiar cada palavra para que nada se perca. Lá vai:

"Podemos afirmar que a fotografia no Brasil passa por um momento excepcional, pois tem espaço garantido para sua divulgação, publicação e pesquisa, além de experimentar uma situação completamente nova: a existência de um mercado, ainda tímido, mas em plena curva ascendente. A fotografia tornou-se um dos meios privilegiados da arte contemporânea ao longo das últimas três décadas, e tem se legitimado como uma manifestação que desperta enorme interesse naqueles que procuram formas alternativas de investimento.

Se olharmos para o mercado internacional, que tem mais tradição em relação à aquisição e comercialização de fotografias, o grande impulso iniciou-se nos anos 80, quando o Getty Museum, de Los Angeles, adquiriu importantes coleções, quando preparava-se para celebrar, em 1989, os 150 anos do advento da fotografia. Esse processo de aquisição é considerado um dos momentos históricos de ruptura, pois tanto a Sotheby's quanto a Christie's, desde então, passaram a incorporar a fotografia com mais frequência e naturalidade em seus leilões.
Fotografia "99 Cent II Dyptychon" (1999) de Andreas Gursky
Mas, o que comprar e como comprar? Essa tem sido a grande dúvida para aqueles que vêem e acompanham as tendências do mercado de arte, e têm conhecimento de que a fotografia vem sendo cada  vez mais cultuada e adotada como uma das formas de expressão favoritas dos artistas contemporâneos. Ano passado, tivemos, em dois momentos diferentes, situações aparentemente opostas em relação às tendências do mercado. Primeiramente, vimos uma fotografia do americano Edward Steichen (1879-1973), denominada Pond-Moonlight, de 1904, formato 41x48cm, estabelecer um recorde no valor de vendas, ao ser adquirida por US$ 2.928 milhões via leilão da casa Sotheby's, em fevereiro; e alguns meses mais tarde, a fotografia 99 Cent II Diptychon (2001), de grande formato, assinada pelo artista alemão contemporâneo Andréas Gursky, foi adquirida por US$ 2.480 milhões. (...) Meses antes já havia sido vendida uma imagem da mesma série, também num leilão da Sotheby's, em Nova York, por US$ 2.256 milhões.

Comportamento estranho? Parece que não, pois a primeira vista está disputando um tipo de mercado voltado mais para a raridade da imagem e sua importância na história da fotografia, e a segunda está participando do mercado de arte contemporânea. Com isso, talvez possamos entender melhor o espectro desse amplo mercado, onde raridade, genialidade e originalidade são os principais elementos que determinam o preço de uma obra e o interesse que ela pode despertar no comprador.

No Brasil, várias iniciativas isoladas nas últimas décadas, capitaneadas pelas galerias de São Paulo e Rio de Janeiro, tentaram de alguma forma instituir um mercado para a fotografia nos mesmos moldes das artes visuais, mas só recentemente é que podemos perceber uma tendência, que de algum modo acompanha o movimento internacional, de valorização da linguagem fotográfica enquanto expressão, linguagem e documentação. A formação das coleções Pirelli-Masp de Fotografias, do MAM-SP, do Instituto Moreira Salles, e iniciativas particulares como as coleções Joaquim Paiva e Gilberto Chateaubriand, entre outras, provocaram nas instituições públicas e privadas e nas galerias a necessidade de entender melhor a fotografia como uma das formas de compreensão da cena contemporânea, onde cada imagem é um fragmento cultural da maior importância, e estimular sua aquisição e circulação como objeto de interesse.

"Sacrifício V" (1989) de Mario Cravo Neto
Por outro lado, podemos afirmar que não há predominância de estilos ou tendências artísticas. Desde o final dos anos noventa, os principais artistas que se destacam, inclusive no mercado internacional, são Mario Cravo Neto, Rosângela Rennó e Miguel Rio Branco. Isso estimulou o mercado da arte contemporânea, mas também despertou o interesse nas fotografias produzidas em outros períodos. Podemos apontar para algumas tendências do mercado: um especial interesse por algumas obras produzidas no século XIX; um forte interesse na fotografia brasileira produzida a partir dos anos quarenta, entre os quais destacamos Geraldo de Barros, Thomaz Farkas, Pierre Verger, German Lorca e muitos outros; e um interesse especial na fotografia contemporânea, sintonizada com a arte contemporânea, seja nos temas desenvolvidos seja nos procedimentos artísticos. Aqui podemos destacar os nomes de Cássio Vasconcellos, Vik Muniz, Rochelle Costi, Eustáquio Neves, Rogério Canella, Caio Reisewitz, entre outros.

Nas fotografias históricas vale lembrar que o melhor investimento são as denominadas cópias vintage, ou seja, cópias de época produzidas a partir de uma matriz original. A aquisição pode ser intuitiva, intelectual, conceitual, mas como dica, em primeiro lugar, deve-se apaixonar pela imagem, e depois verificar a textura do papel, o tom das cores, a luminosidade e a profundidade. Sempre a paixão e a qualidade devem ser prioridade para qualquer compra, mas também é importante verificar a tiragem, a técnica de impressão, que garante a durabilidade da fotografia, a data e a assinatura.

Em relação à fotografia contemporânea, a tendência é a tiragem baixa, e os artistas trabalham a cópia como se ela fosse uma peça única. Pode parecer paradoxal, mas hoje, parte dos artistas que trablham com a fotografia busca em cada cópia uma certa unicidade que diferencia, mesmo que minimamente, uma da outra. O projeto estético contemporâneo, aquilo que denominamos de fotografia expandida, é o resultado dos diferentes procedimentos desenvolvidos pelo artista, que busca a diversidade sem limites através de múltiplos processos. A produção contemporânea se confirma e se mostra como uma apaixonada experiência pelo fazer, através do hibridismo entre os processos de produção e de uma permanente contaminação visual, que balançam a clássica certeza da imagem fotográfica. Essas novas sínteses e combinações apontam cada vez mais para um entrelaçamento dos procedimentos das vanguardas históricas, dos processos primitivos, alternativos e periféricos, associados ou não às novas tecnologias.

Vale ressaltar ainda que a presença da fotografia no mercado de arte contemporâneo não apenas demonstra seu crescimento desde os anos noventa, acompanhando a explosão do mercado da bolha pontocom e da presença de jovens e ativos executivos, mas aponta um caminho irreversível de valorização do poder e da presença da imagem em nossas vidas onde se fundem o valor de mercado e o valor cultural."

Rubens Fernandes Junior é pesquisador e crítico de fotografia, diretor e professor da FACOM-FAAP.

Fonte: Jornal SP-Arte (sem data)