quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

A fotografia como ícone e como índice

"Isso não é um cachimbo" - René Magritte (1926)

Hoje, lendo um texto chamado "Cinema" de autoria de João Luiz Vieira, vi uma explicação muito clara sobre um tema recorrente quando o assunto é fotografia: o fato da fotografia ser entendida como ícone e como índice.

O texto, na verdade, procura analisar por que o cinema está, em geral, associado à chamada impressão de realidade, algo que "se configurou como a característica que mais tem ocupado os estudiosos e teóricos do cinema na explicação do poder ilusório daquela então nova arte. O que concorre para essa impressão de realidade? Por que o cinema ainda tem esse poder tão forte, que definiu mesmo sua vocação para a representação naturalista"?

Para responder a essa pergunta o autor recorre àquilo que veio antes: a fotografia. Vejam o que ele diz:

"No capítulo I de "O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência", Ismail Xavier (1984) procura a síntese de algumas respostas para essas perguntas olhando para as características básicas das imagens fotográfica e cinematográfica. Citando a realizadora (e coreógrafa) russa radicada nos Estados Unidos Maya Deren e o filósofo e semiólogo Charles Sanders Peirce, Xavier esclarece a dualidade fundamental que caracteriza, num primeiro momento, a imagem fotográfica. Seguindo a classificação proposta por Peirce, tal imagem pode ser definida, ao mesmo tempo, como ícone e índice em relação ao que ela representa, em relação ao seu referente. 

A qualidade icônica da fotografia diz respeito ao fato de que, ao ser percebida visualmente, a imagem apresenta algumas propriedades em comum com a coisa significada, alguma semelhança. Nesse sentido afirma-se que a fotografia de um cavalo parece um cavalo porque nela reconhecemos o animal, vemos suas patas, o formato de sua cabeça, a crina. Mas ela não é um cavalo e sim uma imagem, prevalecendo aqui o critério de similaridade. Nesse sentido, podemos afirmar então que a imagem fotográfica seria parecida, por exemplo, com outros tipos de imagem, como o desenho, gravura ou pintura, desse mesmo cavalo.

Só que na fotografia há uma diferença fundamental que introduz o segundo aspecto da imagem fotográfica, ou seja, a sua indicialidade. Devido aos processos técnicos de registro, a fotografia é um signo que se refere ao objeto que ele significa por ter sido realmente afetado por esse objeto, ou seja, é o objeto que cria a sua própria imagem pela ação da luz sobre o material sensível. Ao contrário do desenho, ou da pintura, ou de uma gravura qualquer, a fotografia é afetada diretamente pelo próprio objeto (XAVIER, 1984). É claro que tal constatação hoje é datada na medida em que estamos falando aqui de uma tradição fotográfica iniciada ainda no século XIX, caracterizada pela presença real de qualquer objeto diante da câmera. A imagem resultante era uma prova da existência material desse objeto, apontava para a sua existência. A fotografia de um cavalo era sempre daquele cavalo específico.

Hoje podemos produzir também uma imagem digitalizada, de síntese, virtual, com o mesmo coeficiente de realidade apresentado pela fotografia, sem qualquer necessidade de referencial concreto diante de uma câmera. 

Essa qualidade de ser simultaneamente um ícone e um índice é que vai se constituir no aspecto fundamental que marca a diferença entre a imagem fotográfica, obtida através de um processo mecânico, e outros tipos de imagens produzidas pela mão humana, como o desenho, a pintura, a gravura. A imagem fotográfica, então, se caracteriza pela fidelidade de reprodução de certas propriedades visíveis de um objeto. Sua imagem, dessa forma, pode ser encarada sempre como um documento que aponta para a preexistência do elemento que ela significa e que pode ser um objeto real, pessoa, animal, qualquer coisa. Mesmo com as diversas possibilidades de alteração existentes desde o advento da fotografia, ainda é comum, por exemplo, a afirmação de uma verdade visual que dela se utiliza como prova incontestável de presença e realidade."