domingo, 9 de dezembro de 2012

A fotografia na 30ª Bienal de Arte de São Paulo

Hoje termina a 30ª Bienal de Arte de São Paulo, denominada "A Iminência das Poéticas". A Revista Bravo!, na sua edição 181, publicou uma matéria de autoria de Marcelo Rezende chamada "Sob a perspectiva das estrelas" explicando que a mostra foi dividida em constelações mostrando como todos os 110 artistas selecionados em 2012 se relacionam com a arte conceitual de alguma forma.

Em tempos em que tudo pode ser arte, a revista salienta que "Uma das estratégias promovidas pela 30a Bienal de São Paulo é redefinir o próprio universo da arte. Muitos criadores contemporâneos defendem o fim de hierarquias e fronteiras. Tudo pode ser arte, todos podem ser artistas e, com base nesse ponto, é possível observar o passado com outros olhos. Um cantor, um poeta, um cineasta ou um grupo de arquitetos viram então prováveis candidatos a exposições e bienais. É como olhar para alguma coisa já conhecida, mas de um ângulo totalmente diferente. Alguns casos assim foram mostrados ao público brasileiro, como o poeta e artista chileno Diego Maquieira, a cooperativa arquitetônica do Ciudad Abierta, também do Chile, o cineasta canadense Guy ­Maddin – com sua atração pelos fantasmas do cinema mudo – e ainda o alemão August Sander (1876-1964), um dos gênios da fotografia do século 20."
Como o foco de interesse deste blog é na fotografia, vamos ver quem foram os nomes mais expressivos que estiveram por lá:
Alair Gomes
A poética de Alair Gomes tem o corpo masculino como tema e é tecida com base em noções de ritmo e relações formais. Classificando e intitulando suas séries como se fossem peças musicais, Gomes mostra jovens em poses que aludem a esculturas clássicas. Embora o cunho homoerótico seja evidente, seus conjuntos não fazem um discurso em defesa da homossexualidade. As fotografias posadas ou tomadas a distância testemunham o desejo compulsivo do artista e espelham a realidade por ele idealizada.
Alberto Bitar
Alberto Bitar fotografa pessoas, paisagens, cidades, situações e contextos como uma testemunha da existência. Explorando os limites técnicos do meio fotográfico na construção de uma linguagem visual de sofisticada simplicidade, o artista faz das modificações luminosas e das variações na velocidade de captação, um modo particular de registrar e evidenciar ocorrências fugazes. Questionando a noção do registro objetivo da imagem em fotografias ao mesmo tempo impactantes, estranhas e surpreendentes, Bitar cria uma obra plástica que não almeja ser um reflexo do mundo, mas uma via de exposição das tensões e dos paradoxos que se instauram em nosso cotidiano.
Alexandre Navarro Moreira
Alexandre Navarro Moreira desenvolve ações independentes em que as ideias de seriação, disseminação, apropriação, colaboração, produção e compartilhamento de informação são evidenciadas pelo uso indiscriminado de fotografias oriundas de diversas fontes. Seu trabalho Apócrifo (2001–) ganha forma em cartazes, reproduzindo retratos de pessoas e inseridos diretamente na paisagem das grandes cidades. Colados em muros e tapumes onde geralmente estão cartazes de eventos e espetáculos, a apresentação de Apócrifo ocorre em um nível concreto de integração do objeto artístico com o contexto cotidiano das grandes metrópoles.
Alfredo Cortina
Um dos fundadores da radiofonia moderna venezuelana, Alfredo Cortina foi roteirista de rádio e televisão e concebeu variados programas ficcionais e culturais. Frequentador de um grupo de intelectuais e artistas de vanguarda, realizou, discretamente, uma obra fotográfica enigmática e poética, tendo como única modelo sua esposa – a poetisa Elizabeth Schön. Utilizando-se de um sistema compositivo baseado na repetição, interrogou a noção de paisagem e sublinhou o pitoresco e a estranheza de uma realidade aparentemente neutralizada.
Andreas Eriksson
Andreas Eriksson trabalha com diversos meios diferentes, como pintura, fotografia, escultura e instalação. Enquanto suas fotografias frequentemente retratam a natureza em um estado de suspensão, suas pinturas contrabalançam essa fragilidade com uma pincelada densa que enfatiza a profundidade e o movimento de determinada cena. Suas obras frequentemente trazem algo de tragédia melodramática, oscilando entre a beleza e o caráter efêmero da matéria na natureza. Em produções mais recentes, fotografia e pintura se unem e Eriksson cria dípticos e trípticos que justapõem ilusão e realidade e suscitam questionamentos sobre a relação do homem com a natureza.
August Sander
Ao fotografar indivíduos de diversas esferas sociais – desde a vida camponesa oitocentista até a sociedade capitalista –, August Sander criou um catálogo tipológico do povo alemão com mais de seiscentas imagens, que constituem sua mais importante obra: People of the 20th Century[Pessoas do século 20]. Transcendendo a noção de registro e revelando um país em mutação, o trabalho do artista evidenciou estruturas hierárquicas e criou um retrato enciclopédico e sistemático da sociedade de sua época.
Bas Jan Ader
Em tom ora dramático ora cômico e desprovidas de contexto narrativo, as performances de Bas Jan Ader evidenciam a noção de vulnerabilidade. Simples, misteriosas e implacáveis, as experiências às quais o artista se entrega parecem indagar o sentido da vida e da existência humanas. As circunstâncias de sua morte – desaparecido no Oceano Atlântico ao tentar atravessá-lo com um veleiro para realizar In Search of the Miraculous [Em busca do milagroso] – contribuíram para a mística em torno dele, como um artista que levou às últimas consequências as indagações sobre o significado e a perenidade da vida.
Dave Hullfish Bailey
Dave Hullfish Bailey se interessa pela precariedade da sociedade civil e suas superestruturas. Suas fotografias, desenhos e esculturas podem ser entendidos como uma pesquisa sobre meios sustentáveis de subsistência ou como uma reorganização sociopolítica em que propostas arquitetônicas, urbanísticas e de design discutem meios de sobrevivência em centros urbanos e rurais. Considerando que somos determinados pelas estruturas política, social e cultural nas quais vivemos, o artista fomenta a reflexão sobre o que se move entre elas e elabora uma sociedade construída de forma que todos seus elementos sejam igualmente importantes.
Edi Hirose
 No ensaio Pozuzo, Edi Hirose apresenta a região central da selva alta peruana onde, há mais de meio século, vivem descendentes de imigrantes da Áustria e da Alemanha. As imagens registram cenas cotidianas da comunidade e, apesar de imporem-se pela captura objetiva, fazem sutis digressões que evidenciam a subjetividade do artista. Como um testemunho das relações que manteve com tal comuna, Hirose constrói um retrato visual do lugar e de seus habitantes de maneira contemplativa e francamente pessoal.
Erica Baum
A obra de Erica Baum revela sua empatia pela palavra e pela imagem impressas – enquanto suas fotos denotam uma característica tipográfica, o retrato granulado dá destaque à materialidade do papel. A fonte para sua fotografia está em livros encontrados em sebos e antiquários. O esforço da artista é criar digressões do conteúdo e projeto gráfico dos livros – um processo que muitas vezes culmina em descobertas que lembram a tradição da poesia concreta. Baum alega que sua obra se origina “da tradição da fotografia direta de rua, com um olhar para o trabalho de Walker Evans, Atget, Brassaï, e outros artistas que pontuaram suas paisagens com linhas de texto achado”.
​Hans Eijkelboom
Hans Eijkelboom retrata as ruas de diferentes cidades do mundo identificando padrões para criar suas séries de imagens. A disciplina e o rigor de suas observações lembram aspectos de estudos antropológicos. Ao criar sistemas e estabelecer critérios em meio ao caos das ruas, o artista confronta noções de identidade e a relação entre individualidade e coletividade. Em um processo contínuo, que já dura duas décadas, o artista constrói combinações e repetições exclusivamente associadas a suas experiências e ao olhar apurado, formando um extenso (auto)retrato da sociedade.
Iñaki Bonillas
Partindo da fotografia, Iñaki Bonillas produz obras com desdobramentos poéticos de conteúdo pessoal e intimista. Tendo como referência as origens da fotografia e das estéticas conceituais, expande os elementos constitutivos do meio fotográfico ao conectá-los com outros meios plásticos. Utilizando-se do discurso documental da fotografia, Bonillas justapõe imagens e cria combinações originais a partir de procedimentos quase científicos de compilação, classificação, edição e arquivamento.
Mark Morrisroe
Com uma câmera polaroide, Mark Morrisroe iniciou um percurso artístico corajoso, incorporando fotos de prostitutas a raios X de seu tórax e expondo seu corpo – e os de seus amigos e amantes – em imagens rabiscadas com dedicatórias, anotações e registros de seu cotidiano. O espírito de liberdade e descontração que ilustravam as poses acabou por adquirir uma aura de tristeza quando o artista descobriu que era portador do vírus HIV. Em seus últimos dias no hospital, improvisou um laboratório e ainda vislumbrou possibilidades de experimentação artística – transformando seus exames e raios X em séries abstratas e coloridas.
Moyra Davey
Fotógrafa e cineasta, Moyra Davey retrata interiores domésticos vazios e arranjos acidentais de objetos. As fotografias que realiza são caracterizadas não pela cena monumental, mas pela descoberta – um tubo de calefação em seu apartamento, uma estante semivazia durante a mudança de sua família ou uma caixa de cereais sobre uma geladeira. Seus filmes refletem sua paixão pela literatura – em My Necropolis [Minha necrópole], por exemplo, a artista filma o cemitério de Père Lachaise em Paris e as lápides de Simone de Beauvoir, Marguerite Duras, Gertrude Stein e Jean-Paul Sartre, enquanto uma voz discute as noções filosóficas do tempo.
Odires Mlászho
As apropriações de imagens esquecidas, empoeiradas ou escondidas dentro de livros e a sua reconstrução – de maneira a atar encontros anacrônicos – povoam a poética de Odires Mlászho. Em sua obra, o artista modifica imagens e as refotografa – transformando em colagens conteúdos visuais que parecem ter se desvinculado de sua memória. Tendo o livro como principal objeto de manipulação, o artista transforma em livros-esculturas enciclopédias, editoriais fotográficos, livros-reportagem e compêndios botânicos – oferecendo-os a uma contemplação ativa capaz de inaugurar outras formas de leitura e percepção.
Saul Fletcher
Como pontuações indiciais de uma realidade incomum, as fotografias de Saul Fletcher integram uma única e longa sequência de imagens, que registram o modo como ele percebe, recorta e recria a realidade. Transitando entre paisagens invernais e retratos de familiares ou passando por composições que reúnem pinturas, anotações, autorretratos ou cenas dos lugares onde habita, sua obra parece existir em um entre lugares – entre o que se revela e o que é apenas sugerido, entre o segredo e a confissão, entre o real e o parafactual.
Sigurdur Gudmundsson
A obra de Sigurdur Gudmundsson está baseada em desvios de significados e inusitadas aproximações entre o homem e o ambiente. Coletivamente intituladas Situations, suas fotografias guardam influência do movimento Fluxus e da arte conceitual e elaboram uma visão poética e filosófica da existência. Estabelecendo relações de equilíbrio e justaposição entre seu corpo e os mais variados objetos e contextos, o artista parece emoldurar, de maneira ao mesmo tempo dramática e bem-humorada, o embate e o equilíbrio entre natureza e cultura.
Sofia Borges
Situando o espectador em um ponto intermediário entre o que seria a fotografia e seu espaço de instauração, Sofia Borges cria um ambiente rarefeito de envolvente estranhamento – que parece colocar nossa percepção em estado de iminência e suspensão. Compostas a partir da manipulação explícita e bem elaborada de procedimentos específicos do meio fotográfico – tempo de exposição, temperatura de cor, quantidade de luz, técnica de composição –, as imagens criadas pela artista evocam uma atmosfera ao mesmo tempo distante e familiar, que embaça a fruição e nos impede de apontar com clareza se estamos diante de um instantâneo casual ou de uma elaborada abstração formal.

Studio 3Z - Ambroise Ngaimoko
Em 1971, Ambroise Ngaimoko abriu seu estúdio na cidade de Kitambo. O nome, Studio 3Z, simboliza os três Zaires: o país, a moeda corrente e o rio. Devido ao emprego de uma técnica inédita, em que dois retratos eram revelados na mesma folha usando duas vezes o mesmo negativo, o Studio 3Z ganhou reconhecimento e renome. Jovens que vieram para o estúdio lembram-se dele pela constante variação dos fundos fotográficos. Em fotos em preto e branco, Ngaimoko retratava famílias e indivíduos. Ancorados na filosofia de uma era pré-digital, em que a fotografia era muito mais um
evento orquestrado e contido que um mero instantâneo, seus retratos pintam a diversidade de personagens e manifestam a riqueza das relações humanas.

Viola Yeşiltaç
O trabalho de Viola Yeşiltaç explora os possíveis deslocamentos que se operam entre a fotografia, o desenho, a escultura e a performance, enfatizando a relação entre representação e forma. Seu trabalho é influenciado pela tradição construtivista e suas esculturas em papel frequentemente incorporam fotos de cena de filmes ou fotografias de sua autoria. A artista ajusta e dobra as folhas de papel até atingir formas que mereçam registro fotográfico. As qualidades poéticas de seu trabalho se revelam também em suas peças textuais e desenhos, que carregam exageros e transmitem uma qualidade quase cômica.

Fontes:
Revista Bravo! - Edição 181 - Setembro 2012
Site da 30ª Bienal de São Paulo - Dezembro 2012
http://www.bienal.org.br/30bienal/pt/Paginas/default.aspx