sábado, 29 de setembro de 2012

Entenda como o Impressionismo enfrentou a fotografia


"Bailarinas Subindo a Escada" (1886-1888), de Edgar Degas

Saiu na Revista Bravo! - Edição 180 - Agosto 2012
"Também em São Paulo, mostra reúne 42 impressionistas do lendário Museu D’Orsay, de Paris. Para muita gente, são as obras de nomes como Monet, Degas e Renoir que vêm à cabeça quando se fala em arte" por Gisele Kato.
"Acabou virando rotina. Todas as tardes, o parisiense Claude Monet, então com seus 30 anos, saía de casa carregando cavalete, bastões de tinta e pincéis, escolhia um lugar à beira do rio Sena e aguardava o amigo Alfred Sisley, também pintor, de família inglesa e só um ano mais velho do que ele. Juntos, assim ao ar livre, dedicavam-se a uma pesquisa então inédita: imprimir nas telas os estímulos visuais que recebiam ali, naqueles efêmeros instantes antes de o Sol se pôr, com o menor envolvimento possível dos filtros da emoção e da razão. O método que buscavam não permitia mais o uso de esboços nem as regras de composição das escolas clássicas. Sem fundir cores ou recorrer ao jogo do claro-escuro – que desde Caravaggio ajudava os artistas a criar perspectiva nas obras –, Monet e Sisley almejavam retratar a instabilidade da natureza de uma forma radicalmente nova.
Apesar de compartilhar premissas, a dupla finalizou quadros bem diferentes entre 1872 e 1873. Sem conseguir abandonar de vez as convenções, Sisley manteve algumas doses de conservadorismo. Os espelhamentos nas águas do Sena, por exemplo, aparecem como elementos menos concretos do que os objetos em si, à maneira da realidade. Já Monet de fato rompeu com tudo. Sobre o curso de seu rio pairam massas de cor nada sutis: vermelhas, verdes, azuis. São reflexos do entorno, sim, mas nem por isso possuem menos volume ou vivacidade. Não à toa, em 1874, uma obra de Monet, Impressão, Sol Nascente, finalizada em 1872, sobressaiu na exposição organizada no ateliê do fotógrafo Félix Nadar e serviu de inspiração para batizar o grupo de artistas que se reunia em torno desses princípios: os impressionistas. A Monet e Sisley juntavam-se Auguste Renoir, Edgard Degas, Paul Cézanne e Camille Pisarro.
A partir de 4 de agosto, esses nomes e outros contemporâneos a eles (como Berthe Morisot, Paul Gauguin e Vincent van Gogh) – a maioria igualmente icônica tanto para a história da arte mundial como no imaginário popular – terão seu legado representado no país por meio de 85 obras, que aportam no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo. Pertencentes à lendária coleção do Museu d’Orsay, de Paris, as peças, que seguem depois para a sede carioca do CCBB, oferecem um rico panorama da pintura impressionista e pós-impressionista. Nunca antes o país recebera uma mostra com tantas obras-primas e de estrelas dessa ordem. Lá atrás, no século 19, esses artistas protagonizaram a transição da arte tradicional para a arte moderna e sofreram com as consequências de tamanha ousadia. Se não fosse o empréstimo do estúdio de Nadar, talvez tivessem demorado bem mais para sair do tal “salão dos recusados”, para onde iam os trabalhos reprovados pela Real Academia Francesa. Hoje, no entanto, dá quase para dizer que desfrutam da condição de unânimes: para muita gente, aliás, são seus nomes os que vêm à cabeça quando se fala de arte.

OBSESSÃO COM A LUZ
O reconhecimento é merecido. O estudo das “sombras coloridas” significou o abandono de ideias que havia muito fundamentavam a produção pictórica e o estabelecimento de parâmetros que mesmo atualmente reconhecemos como inovadores. A invenção da fotografia tem tudo a ver com isso. Um dos maiores avanços do período, ela afetou por completo a percepção de mundo pelo homem, e os impressionistas foram os primeiros artistas a responder a essa mudança. A câmera os substituiu no cumprimento de uma função social, a de registro da realidade, obrigando-os em certo sentido a se reinventar. Um aspecto, porém, ainda escapava à máquina: uma reprodução satisfatória das cores. Para cobrir essa falha, muitos cientistas debruçaram-se sobre pesquisas em torno da captação das tonalidades pelo olho humano e os pintores, naturalmente, aplicaram os resultados dessas análises nas telas. No século 19, especialistas estavam às voltas com a teoria de que só seríamos capazes de identificar os tons puros, então combinados na retina para a formação de outros matizes. Os impressionistas passaram, assim, a utilizar poucas cores, criando, no entanto, cenários ricamente coloridos quando observados a certa distância.
 
Sutilezas desse tipo poderão ser notadas pelos visitantes da exposição no Brasil. Ver as obras ao vivo também permitirá que se entenda como o tema dos quadros deixou de ser um dado importante para a pintura. Se naquele momento a fotografia cuidava de eternizar os acontecimentos dignos de memória, os artistas ficaram livres para alimentar o que acabou virando de fato uma obsessão: retratar as variações da luz nas diferentes horas do dia em uma mesma paisagem. Só Monet dedicou uma série de cerca de 30 telas à Catedral de Rouen, na região francesa da Normandia, e outro extenso conjunto para a ponte japonesa e o lago com ninfeias do jardim de sua casa, em Giverny (A Bacia das Ninfeias, Harmonia Verde, de 1899, integra a seleção que vem ao Brasil). Degas frequentou por muito tempo os bastidores das aulas de dança clássica e se consagrou com bailarinas vestindo saias de tule e muitas vezes ocupando os cantos das telas e não o centro, onde era comum posicionar as figuras principais nas composições antes do impressionismo. Na mostra do CCBB está Bailarinas Subindo a Escada, feita entre 1886 e 1888.

MONET OU MANET?
Para discutir esses e outros caminhos que enxergavam na arte – e não raro para discordar entre si –, os impressionistas, ao lado de intelectuais como o escritor francês Émile Zola (um dos principais articuladores do grupo), encontravam-se todas as quintas-feiras à noite no Café Guerbois, em Paris. Por lá, o centro das atenções ficava reservado a Édouard Manet, o mais velho de todos, e também o que menos aceitava ser contrariado. A lista de rixas entre os artistas da época é extensa. Uma ao menos vale ser relembrada. Está na biografia de Manet, Rebelde de Casaca, escrita por Beth Archer Brombert. Diz-se que, quando Monet surgiu, André Gill, um famoso cartunista de jornal, resolveu brincar com o fato de os pintores terem nomes tão parecidos e redigiu a seguinte legenda abaixo do desenho de um quadro de Monet: “Monet ou Manet? Monet. Mas é a Manet que devemos este Monet; parabéns, Monet, obrigado, Manet”. Isso bastou para que Manet, tomado pelo ciúme, por um bom tempo passasse as noites de quinta no Café Guerbois gritando para que todos ouvissem: “Ele faz sucesso com o meu nome!” Mal sabia que haveria espaço para o grupo todo."
Exposição: "Impressionismo: Paris e Modernidade, Obras-Primas do Acervo do Museu d’Orsay de Paris, França"
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo
Rua Álvares Penteado, 112, Centro, São Paulo, SP
De 4/8 a 7/10. De 3ª a dom., das 9h às 22h.
Grátis

Fonte: Revista Bravo!