quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Os 7 Mandamentos da Arte da Revista Bravo!

Saiu na Revista Bravo! edição nº 170, aproveitando o acontecimento da exposição "Em Nome dos Artistas" no prédio da Bienal em São Paulo, uma lista com aquilo que denominaram "Os 7 Mandamentos da Arte". Essa lista poderá te ajudar a pensar melhor a arte e a fotografia contemporâneas.

No texto inicial a autora Gisele Kato diz: "A arte contemporânea não é uma linguagem acessível às massas. Ela se escora em uma série de teorias e procedimentos tão complexos quanto o teatro experimental, o cinema alternativo e a música contemporânea. Só que, diferentemente do teatro experimental, do cinema alternativo ou da música contemporânea – que sobrevivem em ambientes restritos ou financiados por universidades –, ela gerou um circuito milionário. Entender essa relação estreita e amigável entre arte e mercado é essencial para compreender a produção atual."

E segue relacionando os 7 mandamentos:

1 - AMARÁS O MERCADO SOBRE TODAS AS COISAS
A autora diz que foi-se o tempo em que uma resenha negativa de um crítico demolia uma reputação ou traumatizava um artista a ponto de ele buscar outros caminhos (como ocorreu com a brasileira Anita Malfatti depois de sua obra receber reparos veementes do escritor Monteiro Lobato). Koons, um artista que nem todo mundo gosta, é frequentemente apontado como o maior escultor das últimas décadas. Sua peça Hanging Heart foi vendida por 23,5 milhões de dólares tornando-o o artista mais valorizado do mundo. Em 2008 Baloon Flower foi vendida por 25,7 milhões de dólares. Dois meses depois, as peças de Koons invadiam o palácio de Versalhes, na França.
Em outras áreas da cultura, o sucesso financeiro não é sempre sinônimo de qualidade. Na arte contemporânea, o mercado é uma poderosa fonte de validação artística de um trabalho. No Brasil, o dinheiro que circula no mundo da arte é baixo se comparado ao resto do mundo. Porém, em julho deste ano, foi lançado o primeiro fundo de investimentos especializado em arte no Brasil, o Brazil Golden Art. Ou seja, tem gente aqui que, em vez de aplicar hoje em empresas consolidadas na bolsa de valores, aposta pesado em... arte.
Se o preço de uma obra é uma instância para validá-la artisticamente, saber manipular os preços é um atributo desejável para um artista? Para o inglês Damien Hirst, com certeza. Em setembro de 2008 ele colocou à venda um conjunto de 223 trabalhos recém-saídos do ateliê, que intitulou Beautiful Inside My Head Forever e vendeu 97% das obras para investidores particulares. Dois anos depois o valor das peças vendidas despencou para um montante equivalente a 10% desse total. Embora esse preço venha se recuperando gradativamente, é óbvio que Damien Hirst criou uma bolha com a própria produção, usando um procedimento clássico do mercado de ações: vender o máximo possível na alta – e provocar uma baixa logo depois por causa da inundação do mercado com um mesmo tipo de produto. É como se Hirst dissesse que, num ambiente cada vez mais dominado pelo mercado, entender seu funcionamento é essencial para um artista. É como se sua bolha fosse, por si só, uma performance.

2 - NÃO PRECISARÁS DOMINAR A TÉCNICA
Depois que o francês Marcel Duchamp (1887-1968) expôs um urinol como obra de arte, em 1917 (a obra se chamava Fountain, “fonte”, em inglês), a concepção de que um artista precisa saber pintar, esculpir ou fotografar ficou definitivamente para trás. Muitas das imagens assinadas pela norte-americana Cindy Sherman, por exemplo, não foram tiradas por ela. Isso ocorre, na cultuada série Untitled Film Still (algo como Instantâneos de um Filme sem Título), feita no fim dos anos 70. Em vários dos cliques, a artista, que se consagrou por encarnar diferentes personagens na frente da própria câmera, bateu ela própria as fotos usando um disparador com extensão. Em muitas outras, no entanto, apenas se colocou na posição de modelo e pediu para seu companheiro na época, o também artista norte-americano Robert Longo, apertar o clique. Em outras ocasiões, os autores dos disparos eram amigos. Cindy, no entanto, assina todas as fotos. Afinal, a ideia é dela. Desde Duchamp, o que faz de alguém um artista são suas ideias, e não suas habilidades manuais.
Por causa disso, o modelo da renascença, adotado nos séculos 15 e 16 pelos mestres italianos Leonardo da Vinci (1452-1519), Rafael (1483-1520) e Michelangelo (1475-1564) e depois incorporado em larga medida na Factory do norte-americano Andy Warhol (1928-1987), nos anos 60, é agora retomado pelos artistas com força total. A maioria deles trabalha com muitos assistentes. Se o que importa mesmo é a ideia, e não mais a habilidade manual, por que não dividir esse trabalho com outros? É mais ou menos assim que os ateliês e estúdios profissionais funcionam hoje. Até porque as obras atingiram níveis de tamanha sofisticação que um artista raramente consegue sozinho viabilizar uma delas.

3 - APRENDERÁS A FALAR SOBRE SEU TRABALHO
Num mundo em que a ideia é tão ou mais importante do que a execução, dominar a palavra é tudo. Tanto que os artistas aprendem isso desde a faculdade. No departamento de artes plásticas da USP, os alunos são incentivados justamente a falar sobre o próprio trabalho. A jornalista canadense Sarah Thornton, que lançou no Brasil no ano passado o livro Sete Dias no Mundo da Arte, dedicou um capítulo da publicação para tratar desse assunto.  “Ter um discurso ajuda muito. Um artista que se comunica bem é mais bem compreendido por curadores, pelos galeristas e pelo público. Por outro lado, acho que isso só não basta. O discurso não sustenta por si só um trabalho”, diz o curador Moacir dos Anjos.

4 - PERTENCERÁS A UMA GALERIA
É um movimento quase simultâneo. Os artistas recebem o canudo das faculdades de artes e imediatamente passam a integrar o elenco de alguma galeria. Muitos deles assinam contratos com endereços comerciais antes mesmo da formatura. E a quantidade de galerias dispostas hoje a absorver esses novos nomes revela bastante sobre o circuito. Indica o quanto o setor está aquecido. E prova também como o sistema se profissionalizou. A carreira de artista tem atualmente etapas tão bem definidas, e encontra-se tão escorada por marchands, colecionadores, leilões e exposições, que até perdeu um pouco do caráter aventureiro e um tanto arriscado que sempre a acompanhou. “Acho isso muito positivo. É difícil para um artista vender também sua obra, estabelecer preços. Os galeristas ajudam no planejamento da carreira e apresentam os artistas a círculos de amizades importantes”, diz Fernanda Feitosa, diretora da SP Arte, a feira internacional de arte contemporânea que acontece há sete anos em São Paulo. “Na verdade, o mercado de arte sempre funcionou um pouco assim. Antes eram os mecenas, os marchands. Picasso tinha o seu.” Ela se refere ao mítico Ambroise Vollard. O pintor espanhol (1881-1973) fez inclusive um retrato de Vollard, com traços típicos do cubismo, entre 1909 e 1910.

5 - PARTICIPARÁS DE FEIRAS DE ARTE
Por baixo são organizadas hoje cerca de 30 feiras internacionais de arte contemporânea no mundo. Mais de duas por mês. E estão tão bem estruturadas, contando com o envolvimento das principais galerias e consequentemente dos grandes artistas da atualidade, que a colecionadores, curadores e críticos não resta outra opção senão a de visitar o maior número possível delas.
Se vão colecionadores, curadores e críticos, é importante que os artistas apareçam também. “Acho que o mercado brasileiro deu uma amadurecida nos últimos cinco anos em grande parte por causa da SP Arte (...) é muito diferente um futuro colecionador entrar em uma galeria vazia para comprar algo e agora poder encontrar outros como ele em uma feira”, diz Rodrigo Andrade, que começou a carreira na década de 1980. “Nesse sentido, o evento ajuda tanto a dar segurança a um investidor, que vê várias pessoas fazendo lá o mesmo que ele, como estimula o desejo do público que gosta de arte a pertencer a uma classe. Uma tribo se reúne naqueles dias”, diz ele. Rodrigo, Paulo Pasta e Caio Reisewitz costumam circular pelos corredores durante a feira e aproveita assim para conversar com admiradores de seu trabalho. São muitas vezes os próprios artistas que respondem a dúvidas sobre o processo de fabricação de uma peça ao público, contribuindo para desmitificar um segmento que ainda bota medo em muita gente.

6 - CONHECERÁS CURADORES
Dentro da estrutura do circuito hoje, pode-se dizer que a crítica teve seu papel diminuído. No lugar dos textos publicados em jornais e revistas, o pensamento mais analítico migrou para a organização das mostras coletivas. Os curadores são os novos críticos. São eles que selecionam artistas e suas obras para exposições que pretendem oferecer um panorama da produção atual e, dessa forma, atribuem leituras para esses conjuntos. Os curadores apresentam temas, sugerem relações entre criadores e apontam também revelações da área. Inclusive para galeristas e colecionadores. “Hoje até as feiras de arte têm curadores. O que antes era Igreja e Estado agora se mistura. Bienais e feiras têm muitas vezes conceitos tão próximos que ficam muito parecidas”, diz Cauê Alves, à frente do 32º Panorama da Arte Brasileira no MASP.
Para um artista, tornar-se conhecido por curadores influentes significa não só a chance de integrar coletivas importantes e de visibilidade no meio como também a possibilidade de entrar de vez para o acervo de um museu de renome como o MoMA de Nova York, a Tate, em Londres e o Centro Georges Pompidou, em Paris.

7 - VIVERÁS COMO UMA CELEBRIDADE
Em Londres, Damien Hirst é tão conhecido quanto uma estrela do rock. Dono de um restaurante descolado no bairro de Notting Hill, o Pharmacy, inteiramente concebido e decorado com peças suas, Hirst comporta-se em público de um jeito nada discreto. Cada lance do leilão histórico de setembro de 2008 foi exibido no YouTube. Ele gosta de superlativos. O colega Jeff Koons não fica atrás. No livro As Vidas dos Artistas, o crítico Calvin Tomkins relembra como o artista foi recebido na Bienal de Veneza de 1990, em que exibiu as primeiras telas da série Made in Heaven, com imagens inspiradas em fotos eróticas dele mesmo e da estrela italiana de filme pornô Cicciolina, sua namorada na época: “Legiões de paparazzi seguiam os dois pelas ruas, pedindo poses e autógrafos”. No blog Vernissage.tv é possível acompanhar em vídeo as aberturas das principais exposições de arte do mundo. Ou seja, os artistas deixaram de ser figuras por trás de suas obras e estão cada vez mais à frente delas. O público quer saber como se vestem, com quem circulam, o que bebem, como bebem.

O texto se encontra na íntegra em:
http://bravonline.abril.com.br/materia/os-7-mandamentos-da-arte#image=170-av-capa-3