quarta-feira, 15 de junho de 2011

Seria a fotografia... artística?

A partir de 1839, quando Daguerre anuncia o invento da fotografia e os primeiros fotógrafos começam a surgir, percebe-se um movimento por parte dos críticos de arte da época em tentar compreender e ordenar seu aparecimento, inserindo a técnica dentro da longa e contínua história da arte, atribuindo aos registros fotográficos deste ou daquele fotógrafo, um discurso artístico.

Nesse viés, a professora de história da arte, Rosalind Krauss, no livro "O fotográfico" de 1990, demostra que é errôneo pensar a fotografia a partir dos critérios utilizados na pintura, definindo a fotografia como "um campo artístico específico".

Ela menciona que o que quiseram fazer, e que hoje ainda fazem, é muitas vezes "desmantelar-se o arquivo fotográfico (...) para reconstruí-lo no quadro das categorias já constituídas pela arte e sua história" de forma incoerente.

Vejam o que ela diz:

 "quando decidiram que o lugar da fotografia do século XIX era dentro dos museus, que a ela era possível aplicar os gêneros do discurso estético e que o modelo da história da arte muito bem lhe convinha, os especialistas contemporâneos da fotografia foram longe demais. (...) eles determinaram que era possível aplicar outros conceitos fundamentais do discurso estético ao arquivo visual. Dentre eles o conceito de artista, com a ideia subsequente de uma progressão regular e intencional que chamamos carreira. Um outro conceito é a possibilidade de uma coerência e de um sentido que surgiriam deste corpus coletivo e que constituiriam assim a unidade de uma obra."

"O conceito de artista implica algo mais que a simples paternidade das obras. Ele sugere também que se deva passar por um certo número de etapas para se ter o direito de reivindicar um lugar de autor: a palavra artista está de alguma forma semanticamente ligada à noção de vocação. Em geral, a palavra vocação implica em iniciação, obras da juventude, uma aprendizagem das tradições de sua arte e a conquista de uma visão individual através de um processo que implica ao mesmo tempo em fracassos e sucessos. (...) pode-se então imaginar um artista simplesmente por um ano?"

Ela menciona o caso de Auguste Salzman, "cuja carreira fotográfica teve início em 1853 e chegou ao fim menos de um ano depois." Menciona também Roger Fento, Gustave Le Gray e Henri Le Secq, "três mestres conceituados nesta arte, que deixaram o ofício uma década depois", sendo que dois deles voltaram para as artes tradicionais e Fento tornou-se advogado.  

E obra, o que é obra?

"Nos confrontamos mais uma vez com práticas que parece difícil assimilar ao que o termo abarca e subentende habitualmente, o fato de que a obra seja resultado de uma perseverança de intenção e o fato de que tenha um vínculo orgânico com o esforço daquele que a produz. Em uma palavra, que ela seja coerente. (...) Seria possível falar de uma obra que se limitasse a uma única peça? (...) Inversamente, será possível imaginar uma obra que abarcasse 10.000 fotografias?"

Aqui ela menciona os trabalhos de Matthew Brady e Francis Frith, que utilizavam autoritariamente o copyright a fotos produzidas por seus funcionários.

Cita também Le Secq, Le Gray, Baldus, Bayard e Mestral (as maiores figuras do início da história da fotografia na França) que produziram algo em torno de 300 negativos num trabalho de inventário de monumentos históricos, que nunca foram revelados, publicados ou expostos. "Isto se compara a um realizador de cinema que rodasse um filme cujo negativo não revelasse e cujos rushes nunca chegasse a ver. Qual seria o lugar deste trabalho na sua obra?"

Ela menciona também Auguste Salzmann, que produziu "uma única compilação de fotografias arqueológicas, (...) das quais se sabe que várias foram tiradas por seu assistente".

E, por fim, Eugène Atget que produziu 10.000 fotografias "que iam sendo vendidas à medida em que eram produzidas", e cujo trabalho, apesar de diversas especulações, nunca chegou a ser desvendado do ponto de vista conceitual, portanto, artístico.

Segundo Hubert Damish, os textos de Krauss são fundamentais já que ela "transgride a lei do gênero, na medida em que a autora, em vez de escrever sobre a fotografia, é tentada a escrever contra ela: não exatamente contra a fotografia, mas contra uma determinada maneira de escrever sobre ela e, em particular, sobre sua história.".

Um livro subjetivo, crítico e fundamental para quem quer entender um pouco mais sobre a fotografia hoje.

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