domingo, 28 de novembro de 2010

Livro: "Não-Lugares: Introdução a uma Antropologia da Supermodernidade" - Marc Augé (1994)


O livro "Não-Lugares" de Marc Augé, é recomendado àqueles que se interessam pela arte contemporânea. O autor descreve o não-lugar como sendo um lugar diametralmente oposto ao lar, à residência, ao espaço personalizado. É representado pelos espaços públicos de rápida circulação, como aeroportos, estações de metrô e pelas grandes cadeias de hotéis e supermercados. Só, mas junto com outros, o habitante do não-lugar mantém com este uma relação contratual representada por símbolos da supermodernidade: cartões de crédito, cartão telefônico, passaporte, carteira de motorista, enfim, por símbolos que permitem o acesso, comprovam a identidade, autorizam deslocamentos impessoais.

Segundo Flávia Rieth, da Universidade Federal de Pelotas, "a convergência dos etnólogos para uma antropologia do próximo, conforme Marc Augé em "Não-Lugares: Introdução a uma Antropologia da Supermodernidade", coloca a questão da antropologia da contemporaneidade. Onde: “da supermodernidade, poder-se-ia dizer que é o lado ‘cara’ de uma moeda da qual a pós-modernidade só nos apresenta o lado ‘coroa’ – o positivo e o negativo” (p. 33). Propõe uma reflexão renovada sobre a contemporaneidade ante o deslocamento da discussão do método para o objeto. A supermodernidade é caracterizada pelas figuras de excesso: superabundância factual, superabundância espacial e individualização das referências, correspondendo a transformações das categorias de tempo, espaço e indivíduo.

A renovação da categoria tempo se concretiza no aceleramento da história através do excesso de informações e da interdependência do “sistemamundo”, criando a necessidade de dar sentido ao presente – diferentemente da perspectiva pós-moderna sobre a perda da inteligibilidade da história em função da derrocada da idéia de progresso.

O excesso de espaço, paradoxalmente, constitui-se pelo encolhimento do mundo, que provoca alteração da escala em termos planetários através da concentração urbana, migrações populacionais e produção de não-lugares – aeroportos, vias expressas, salas de espera, centros comerciais, estações de metrô, campos de refugiados, supermercados, etc., por onde circulam pessoas e bens.

O indivíduo que se crê o centro do mundo, tornando-se referência para interpretar as informações que lhe chegam, constitui-se a terceira figura de excesso. O processo amplo de singularização de pessoas, lugares, bens e pertencimentos faz o contraponto com um processo de relacionamento tal qual o da mundialização da cultura.

Os não-lugares, produtos da contemporaneidade, opõem-se à noção de lugar antropológico, designado desde Mauss por uma tradição fundada na idéia de totalidade. O lugar antropológico, mais do que o lugar do encontro do antropólogo com o nativo, é como a segunda natureza deste último. Nele os nativos, colocam a questão da antropologia da contemporaneidade. Eles vivem, celebram sua existência, residem, trabalham, guardam as suas fronteiras.

Esse lugar foi escolhido pelos ancestrais, é o lugar dos descendentes, um lugar a ser defendido, ou seja, “[…] é simultaneamente princípio de sentido para aqueles que o habitam e princípio de inteligibilidade para quem o observa” (p. 51). O lugar antropológico se define como identitário, relacional e histórico. Identitário porque o lugar de nascimento, as regras de residência, etc., são como uma inscrição no solo que compõe a identidade individual. Referências compartilhadas que designam fronteiras marcam a relação com seus próximos e os outros. Por fim, é histórico na medida em que os nativos vivem na história.

Em oposição, os não-lugares não se definem como identitários, relacionais ou históricos. Através dos não-lugares se descortina um mundo provisório e efêmero, comprometido com o transitório e com a solidão. Os não-lugares são a medida de uma época que se caracteriza pelo excesso factual, superabundância espacial e individualização das referências, muito embora os lugares e não-lugares sejam polaridades fugidias. Nesse sentido, conforme Augé, apresenta-se ao antropólogo um novo objeto, ou seja, a contemporaneidade a ser estudada nas suas contradições e complexidades, não como uma oposição a uma modernidade perdida."

Editora Papirus. Coleção Travessia do Século.