No ano 2000 a FAAP - Fundação Armando Álvares Penteado - comemorou os 160 anos da chegada da fotografia no Brasil, organizando a exposição "O Século XIX na Fotografia Brasileira", composta por 200 fotos originais da Coleção Pedro Corrêa do Lago.
O livro reúne essas imagens acompanhadas de textos do próprio Pedro e do professor Rubens Fernandes Junior.
Veja abaixo a matéria assinada por Marcelo Camacho que saiu na Veja On-Line na época do lançamento:
"Em janeiro de 1840, apenas cinco meses depois do anúncio de sua invenção na França, a fotografia chegou ao Brasil. O pioneiro foi dom Pedro II, que se interessou de imediato pela nova técnica, adquiriu um daguerreótipo e lançou-se a fazer imagens.
"Em janeiro de 1840, apenas cinco meses depois do anúncio de sua invenção na França, a fotografia chegou ao Brasil. O pioneiro foi dom Pedro II, que se interessou de imediato pela nova técnica, adquiriu um daguerreótipo e lançou-se a fazer imagens.
Para promover a fotografia, o imperador patrocinou a vinda de profissionais estrangeiros e se dispôs a ser retratado diversas vezes, sozinho ou ao lado de sua família. Desse modo, deu um empurrão e tanto para que a novidade se tornasse popular por aqui já na década de 1860.
A produção dessa época acabaria cumprindo um papel que a pintura brasileira do mesmo período raramente soube ter: fornecer à posteridade um magnífico registro não somente das paisagens da terra, mas também dos diferentes tipos humanos que viviam nela."
Pedro Correa do Lago é "o maior colecionador de fotos do Brasil oitocentista e foi com base em seu acervo que se montou o livro. O Século XIX na Fotografia Brasileira divide-se justamente em dois capítulos, retratos e paisagens.
O primeiro, como não poderia deixar de ser, traz diversas fotos da família imperial, com especial destaque para um inédito daguerreótipo da imperatriz Tereza Cristina, datado de 1855, assinado pelos artistas Buvelot e Prat e delicadamente colorido a mão. O retrato, ao que tudo indica, foi enviado de presente a algum parente europeu da imperatriz. Ele só voltou ao Brasil recentemente, depois de ter sido comprado por Pedro Corrêa do Lago num leilão internacional.
Outro rico filão é composto de imagens de índios e negros. Suas fotografias eram muito populares entre viajantes estrangeiros, que, ao voltar para casa, gostavam de carregar registros desses "exóticos" habitantes do Brasil. Impressionam, por exemplo, as feitas pelo alemão August Stahl, entre elas a de uma jovem e bela escrava negra, de turbante na cabeça, expressão melancólica no rosto e face marcada por cicatrizes (não eram marcas de castigo, mas sinais distintivos de sua tribo de origem, na África). Stahl fez o trabalho a pedido do cientista suíço-americano Louis Agassiz, que visitou o Brasil na década de 1860 e, em 1867, publicou um livro sobre a aventura. Ao contrário dos viajantes, a elite brasileira raramente cogitava de documentar seus escravos. Uma exceção está na maravilhosa foto reproduzida na capa do livro, na qual uma senhora aparece sentada em sua liteira, tendo a seu lado dois escravos de fraque, cartola e pés descalços. Na maioria das vezes, os ricos preferiam reunir a parentela em fotos posadas, nas quais emulavam a aristocracia européia. O dado irônico é que muitas dessas imagens revelam aquilo que o preconceito a todo custo quis esconder: o caráter miscigenado da população brasileira, mesmo aquela que se encontrava no topo da pirâmide social. Basta observar atentamente um retrato como o da importante família paulista Prado, realizado em 1895 por um anônimo, para constatar esse fato.
Por razões óbvias, o Rio de Janeiro, capital do país, foi o maior centro da atividade fotográfica no Brasil. Mas havia um grande número de profissionais instalados em cidades do Sul, Norte e Nordeste. É de Belém, por exemplo, a imagem surpreendente do velório do compositor Carlos Gomes, o renomado autor da ópera O Guarani. Foi feita por Antônio de Oliveira, que durante muitos anos manteve na capital do Pará um estúdio cuja produção se caracterizou pela criatividade. Também havia aqueles que viviam se deslocando pelos quatro cantos do país. Assim como os estrangeiros levavam para casa imagens de "tipos curiosos", também adoravam fotos da paisagem local.
Mas seria incorreto dizer que a produção paisagística dependia desse estímulo financeiro. Registrar imagens da natureza virgem de um país como o Brasil era irresistível. E as fotos nas quais a mata exuberante aparece ao lado de construções de arquitetura européia causam, ainda hoje, um notável efeito de estranhamento. Como observam os organizadores do livro, "a obra dos paisagistas, muito menos numerosa do que a dos retratistas, é considerada a nata da produção fotográfica no Brasil do século XIX".
Com sua câmara, Marc Ferrez, o melhor fotógrafo brasileiro de seu tempo, mapeou as principais localidades da jovem nação. Além do Rio, onde nasceu, esteve em Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Paraná e São Paulo. Desta última, que no futuro seria a maior cidade do Brasil, o livro traz outros registros curiosos, como os realizados em 1862 pelo carioca Militão Augusto de Azevedo.
São Paulo se revela uma cidade de casas toscas em ruelas sem calçamento – uma desolação só. Em 1887, Militão fotografou toda a cidade novamente e publicou seu Álbum Comparativo 1862-1887, uma empreitada elogiada na época. Deve-se observar que, ao contrário de Militão e Ferrez, muitos fotógrafos não se preocuparam em registrar seu nome nos trabalhos que faziam.
Algumas das melhores imagens de O Século XIX na Fotografia Brasileira devem-se a anônimos que, sem se preocupar com "arte", "fama" e "autoria", legaram ao país um maravilhoso painel de sua história."